O rei,o príncipe e o menino


O repórter insistiu em última e desconcertante pergunta:
- "Estará agora resolvido, Silvino, o problema da extinção do banditismo?" 
De pronto, sábia resposta- em tom profético- veio aos lábios do velho espingardeiro:
" Isto não acaba assim. O rifle não concerta nada. Morreu Lampião. Outros Lampiões aparecerão! E o mundo por aqui continuará girando, até que a Justiça bata às portas do sertão! É de Justiça que o sertão precisa" 
Entrevista concedida ao Jornal "A Noite" por Antônio Silvino. Em 1938.

Assim começo meu texto de hoje. Antônio Silvino é considerado o primeiro “Rei do Cangaço”,para ele, Lampião era o príncipe, não só pelo motivo de ser seu sucessor, mas pelo fato de suas armas serem mais modernas. Manoel Bapstista de Morais, passou 23 anos,2 meses e 18 dias nas dependências imundas da Casa de Detenção no Recife. Lá dentro, viu de perto a Revolução de 30, a ascensão e a derrocada do então “Governador dos Sertões”  Virgulino Ferreira da Silva, reviveu sua vida diante dos seus olhos quando passava dias imerso numa infinita monotonia. Daquele tempo já denunciava o tratamento que era dado aos presos e podemos perceber que presidiário nunca foi tratado pelo Estado com intuito de regeneração e sim de acabar de  vez com o ser humano, fazer com que pague duramente pelo mal cometido.Gerando assim um sentimento de revolta e ódio.

Já dizia Dostóievsky que “o grau de civilização de um conglomerado social é muito bem representado pela qualidade de seus presos e o tratamento a eles dispensado”. O fato é que no Brasil um preso custa mais caro que um aluno matriculado na escola. O problema já começa nesse ponto, querem consertar o  topo sem mexer na base. A polícia invade a favela, antes de prender o delinquente dá uma senhora surra e joga ele numa cela que passará anos em condição insalubre, sem instrumentos que o ensine um novo ofício, ou até mesmo ler e escrever, passado o tempo os que resistem são cuspidos para o mundo real novamente e lá estão vulneráveis a todo tipo de preconceito e principalmente, ao voltarem para o seu antigo modo de vida. Temos que abrir um parêntese aqui, pois esse tratamento é dado ao preso pobre que desde sua captura é tratado com violência, o preso rico não é obrigado a usar algemas, se tiver nível superior tem regalias e com poucos dias é liberto, pois tem dinheiro pra pagar fiança.

Silvino denunciou, Carandiru explodiu. O maior massacre acontecido em um presídio brasileiro que até hoje traz sequelas pras famílias e os poucos que sobreviveram convivem ainda com esse fantasma. O Estado como sempre diz que cumpriu o seu papel, mas ali foi só o tapa na cara da nossa sociedade que a acha que tratamento pra bandido só pode ser bala.

Depois de Silvino veio Lampião, veio Curisco, veio Sandro do famoso  ônibus 174. Os três primeiros viveram num sertão em que a Justiça só se fazia presente na forma de bacamarte e sangue, um Brasil que até hoje permanece esquecido. Sandro, menino de rua que viu sua mãe ser assassinada na sua frente e desde pequeno aprendeu a conviver nas armadilhas da rua, também só via a Justiça quando ela se apresentava de farda e com uma 38 na mão e com certeza foi a última imagem que viu na sua vida.

É muito cômodo estar aqui falando sobre sistema carcerário, Educação x Violência quando se tem o de comer, conforto, pai e mãe. Imagino a situação subumana dos presos neste exato momento, também posso imaginar a situação do pai de família chamado Policial que para garantir o sustento da sua casa tem que ir pra rua e fazer o que o Estado manda. Esse último está no alto de sua cadeira mandando e desmandando em mim, em você, no preso e no Policial. Isso é para mostrar, mais uma vez, que a mudança começa de baixo.
E antes de terminar este texto deixo uma passagem da vida de Antônio Silvino, que mostrou ser humano depois de tantas mortes e alguns anos de reclusão.

“Ele era criador de pássaros. Por necessidade econômica teve que vender os mesmos, ficando, apenas, com uma rolinha, que tinha o nome de “Menininha” e que vivia sempre no ombro dele, acompanhando-o pelas andança na Casa de Detenção. Antônio Silvino apanhava a rolinha, botava-a no dedo e ela coçava a cabeça dele. Possuía o animal como se fosse uma joia cara. Ocorreu que – em uma determinada oportunidade – a  “Menininha” dormiu em cima do chinelo de Silvino, sendo que, quando o mesmo levantou-se distraidamente da sua cama, pisou “Menininha”  e a matou. Foi um dia em que vi um homem humilhar-se diante de um acontecimento que a gente pode não valorizar, mas que, para ele, valeu uma vida de um ente querido.... Silvino pediu licença ao Diretor para sepultar “Menininha” atrás do local onde ficava a Imprensa Oficial. Dada a permissão, Antônio Silvino reservou uma área, plantou flores e enrolou “Menininha” com um lenço de seda. Depois de sepultada, passou Antônio Silvino a zelar o local, o aguando sempre, renovando as plantas e adubando”. 
( NUNES, 1982,p. 188) 

Comentários

IVANILDO SILVEIRA disse…
AMIGA VICK,

BELO TEXTO...

A HISTÓRIA DE ANTONIO SILVINO É MUITO INTERESSANTE, E ELE DÁ MUITAS LIÇÕES DE VIDA..

VALEU AMIGA.
ABRAÇO
IVANILDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal-RN

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