O Velho Chico a margem das contradições


É de encher os olhos e se contagiar com a alegria e a esperança dos sertanejos que agora podem chamar o Velho Chico de seu. É de cortar o coração ver uma vazão tão baixa, permitindo que o mar avance cada vez mais salinizando as águas do Rio. Dói de ver a população que já é antiga conhecida do São Francisco sofrendo cada vez mais com a falta d’água para regar a plantação, com cada vez menos peixes para ter o que comer. 

Na minha cabeça existe uma linha tênue entre ser a favor e contra a transposição. É preciso, como sempre, empatia para entender os lados.
Primeiro veio o transporte fluvial – o Vaporzinho – muito usado na movimentação entre o Nordeste e o Sudeste do país, utilizava a lenha como combustível, o que ocasionou grande desmatamento da mata ciliar. Depois veio Delmiro Gouveia com as hidrelétricas de Paulo Afonso e mais tarde a CHESF com mais obras do tipo (hoje um total de 8 hidrelétricas), mudando curso do rio, inundando cidades, modificando vidas. 
A agricultura de subsistência deu lugar aos latifúndios, propriedades cada vez maiores que bombeiam a água do rio para irrigação e a devolvem com produtos tóxicos. A navegabilidade em alguns trechos já está bastante comprometida e posso me lembrar de reportagens mostrando alguns pontos no Oeste da Bahia totalmente secos. 
Outro fator extremamente comprometedor foi o crescimento das cidades que o margeiam, aumentaram de tamanho e continuaram jogando seus efluentes e outras formas de poluição dentro do rio. Mais desmatamento. Assoreamento. A ação do homem matou importantes afluentes que lhe garantiam vida.
Gostaria de não falar sobre política, mas é inevitável principalmente quando se trata de sertão. A própria seca é um projeto político de décadas e se mostra um negócio rentável. É de amplo conhecimento do Estado o período em que a estiagem será mais perversa, mas existe um abismo entre o querer e o fazer. Seca gera pobreza, que gera fome, que gera um terreno fértil para campanhas políticas.
A história conta que desde D. Pedro II se fala na transposição do São Francisco, da época em que se falava que era necessário combater a seca e não passava pela cabeça que era possível conviver com a mesma, por sinal, ainda estamos aprendendo sobre isso. A esquerda, representada por um sertanejo que sabe o que é andar léguas pra encher um balde com água barrenta reivindica a paternidade do projeto. A direita que dificilmente melou os pezinhos de barro entrou de gaiato no navio. 
A obra em si gastou muito mais que o previsto, levou mais tempo que o planejado e não se sabe ao certo se ela de fato irá beneficiar a quem tanto precisa. O que se sabe é que a transposição é o tiro de misericórdia, pelos motivos que eu falei acima (entre outros). Diversos estudos técnicos apontam que era necessário um projeto de revitalização antes da transposição. 
Na semana em que se celebra o dia mundial da água (22 de março), existe uma contradição enorme ao falar do Velho Chico. Produtivo para uns, infrutífero para outros. Lucro para poucos, prejuízo para muitos.

* Texto originalmente publicado no Facebook em 20/03/2017

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